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Dança, canta, partilha vivência ancestral, segue para o Sacerdócio no Candomblé e dá-se a ouvir na Gulbenkian – ela é Nara Couto

Nascida no bairro baiano do Curuzu, que apresenta como o “mais negro fora de África”, Nara Couto fez carreira como bailarina antes de soltar a voz nos palcos. No próximo sábado, 5 de Julho, é dia de a ouvirmos e aplaudirmos no Jardim de Verão da Gulbenkian, onde actua às 17h. A entrada é livre, mediante levantamento de bilhetes.

Nascida no bairro baiano do Curuzu, que apresenta como o “mais negro fora de África”, Nara Couto viveu na Bahia de origem até aos 11 anos, idade em que se mudou para a Suíça, destino de fixação materna. No regresso a casa, o Balé Floclórico da Bahia fincou-lhe as raízes no palco. “Comecei a dançar aos 17 anos. Então, fiquei no Brasil para construir minha carreira”, conta ao Afrolink. Filha do coreógrafo e director artístico Zebrinha, Nara aprendeu a arte da dança com o pai, e já depois de actuações em salas de todo o mundo como bailarina, aventurou-se na música. Primeiro enquanto backing vocal de figuras como Gilberto Gil, Margareth Menezes, Ivete Sangalo e Daniela Mercury, e desde 2017 em nome próprio, numa assinatura construída sob o impulso criativo de Sara Tavares, a artista está a promover o segundo álbum, intitulado “Orí”. Antes, gravou o single “Linda e Preta” – transformado numa “música de impulsionamento da auto-estima de mulheres negras” –, e lançou o projecto “Outras Áfricas”, onde se afirma como “diplomata cultural”. Agora a caminho do Sacerdócio no Candomblé, a artista, criadora da oficina de movimento “Vivência Ancestral”, vê nesta religião uma forma de preservação da presença de África no Brasil. “O Candomblé é um lugar de resistência muito grande”. No próximo sábado, 5 de Julho, é dia de a ouvirmos e aplaudirmos no Jardim de Verão da Gulbenkian, onde actua às 17h. A entrada é livre, mediante levantamento de bilhetes. Vamos!

Num barco no meio do mar, entre espectáculos por Portugal, Nara Couto encontrou em Sara Tavares o balanço que, até hoje, marca a sua identidade musical.

“Eu disse: é isso! Estou conectada. Foi a primeira vez que ouvi Balancê, e mexeu muito comigo”.

Mergulhada na voz e composição de Sara, Nara fez dela assinatura, e letra a letra, dá-nos a escutá-la no próximo sábado, 5 de Julho, às 17h, no Jardim de Verão da Gulbenkian.

A caminho do concerto, o Afrolink foi conhecer mais sobre a artista, que firmou carreira como bailarina, antes de soltar a voz como cantora.

“As pessoas achavam que eu tinha que cantar um pouco mais forte, mas eu tinha a Sara Tavares como referência. E a Sara cantava sobre amor e sobre a leveza”.

Ainda a refazer-se da dor da perda da cantautora – que teve a oportunidade de ver actuar num concerto em Cabo Verde –, Nara conta como encontrar a voz de Sara, falecida em 2023, a inspirou a querer conhecer mais.

“África chegou até mim porque eu pesquisava muito. E quando comecei nessa busca, a minha referência foi a Sara Tavares, inclusive para a capa de um disco”.

Entretanto embalada também por outras músicas de criação africana, a baiana partilha múltiplas inspirações.

“Em Cabo Verde, eu comecei a ouvir os Tubarões e o Gil Semedo”, assinala, antes de revelar uma companhia de todos os dias.

“Sou muito fã do Paulo Flores – o tio Paulo –, que eu oiço sempre, e com quem tenho contacto”.

A ligação, antecipa Nara ao Afrolink, encaminha-se para uma parceria em fase de construção: “Estamos a conversar sobre projectos futuros”.

Da Bahia para “Outras Áfricas”

Nascida no bairro baiano do Curuzu, que apresenta como o “mais negro fora de África”, a artista viveu na Bahia de origem até aos 11 anos, idade em que se mudou para a Suíça, destino de fixação materna.

No regresso a casa, o Balé Floclórico da Bahia fincou-lhe as raízes no palco.  “Comecei a dançar aos 17 anos. Então, fiquei no Brasil para construir minha carreira”.

Filha do coreógrafo e director artístico Zebrinha, Nara aprendeu a arte da dança com o pai, e foi já depois de actuações em salas de todo o mundo como bailarina, que se aventurou na música.

Primeiro enquanto backing vocal de figuras como Gilberto Gil, Margareth Menezes, Ivete Sangalo e Daniela Mercury, e desde 2017 em nome próprio, a artista está a promover o segundo álbum, intitulado “Orí”.

Antes desta produção, que se vai estender a uma curta-metragem, a baiana gravou o single “Linda e Preta” – transformado numa “música de impulsionamento da auto-estima de mulheres negras” –, e lançou o projecto “Outras Áfricas”, onde se afirma como “diplomata cultural”.

“A intenção é fazer com que a gente realmente faça grandes pontes”, sublinha, depois de uma viagem pela Guiné-Bissau, onde as ligações musicais incluíram um encontro com a Secretária de Estado da Cultura, Nancy Alves Cardoso.

“Imediatamente também escrevi para o Secretário de Cultura do Estado da Bahia para falar: ‘Estou aqui em Guiné-Bissau, estamos conversando e precisamos conversar mais”.

Nara promove e aprofunda esse diálogo a partir do projecto “Outras Áfricas”, que completou uma década em 2024.

A iniciativa, que num primeiro momento foi desenvolvida no Brasil, através do encontro com músicos africanos aí radicados, volta-se agora para os PALOP.

Depois do voo guineense, que teve como anfitrião e parceiro Mû Mbana, a baiana planeia viagens a Cabo Verde e Angola, sempre com ligações de palco e de estúdio.

“Estamos organizando para que todo mês eu possa estar compartilhando uma música com um artista do continente africano”, antecipa Nara, apontando Mû Mbana como o primeiro nessa frente de gravações. 

Danças com ancestrais e Sacerdócio no Candomblé

A rota de expressão e projecção musical combina-se sempre com movimento, hoje traduzido, para além dos palcos, no projecto “Vivência Ancestral”.

A proposta, assinala-se na sinopse, recorre a “momentos práticos multireferenciais das culturas negras e da transmissão oral de conhecimento”, para “criar uma experiência significativa que contribua para o bem-estar pessoal e colectivo, bem como para a preservação das tradições ancestrais a partir da dança”.

Já apresentada em Lisboa e no Porto, a vivência, explica Nara, é sobre ela própria “ser um instrumento que transporta uma mensagem que já foi passada pelos mais velhos”. O processo, sublinha, está enraizado na sua vida.

“É dessa forma que eu também adquiro a minha sabedoria, eu sento e converso com os mais velhos, eu leio livros. Eu ouço o vento, eu ouço o silêncio para depois compartilhar”.

Desengane-se, por isso, quem vai em busca de um workshop de dança. Na “Vivência Ancestral”, Nara entrega conexão – de cada pessoa consigo própria, com as suas raízes, com a natureza, com o mundo e a humanidade.

“Estamos todos vivendo nosso céu e nosso inferno ao mesmo tempo. Então, quando eu falo alguma coisa, se for importante, aquela pessoa vai acolher e utilizar no dia-a-dia”.

Comunicadora ancestral, a artista coloca em cada mensagem que partilha a intenção “de que as pessoas fiquem bem e que vivam melhor”.

O propósito encaminha os seus passos para o Sacerdócio no Candomblé, que cultua como uma forma de preservação da presença de África no Brasil.

“A forma como a gente come, tanto as comidas, como os alimentos; a forma como nós cantamos, como nós dançamos, tudo isso que um africano que vai no Brasil vê, reconhece e diz ‘Isso é África’, foi preservado através do Candomblé”.

Muito mais do que uma religião, Nara realça que “o Candomblé é um lugar de resistência muito grande”.

Axé!

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No “Refúgio” de Luiana Abrantes, música e moda tecem Humanidade

Lançou o primeiro álbum no final do ano passado, e dá-lhe agora nova vida com três músicas gravadas ao vivo. Entre o “Refúgio” de 2024, e o “Refúgio Relaunch” de 2025, Luiana Abrantes ganhou uma distinção no Brasil, e uma bolsa de criação artística em Portugal, sem perder o fio à meada da “Truly Afro”, a marca de roupa que veste a celebração da sua africanidade angolana. Já a trabalhar no novo disco, conversou com o Afrolink sobre a inspiração para compor, o trabalho, a maternidade, a condição feminina, e o défice de humanidade que nos tem vindo a desequilibrar. “O nosso olhar em relação ao outro tem de ser treinado. As pessoas não têm só um lado mau, também têm alguma coisa boa para dar”.

Lançou o primeiro álbum no final do ano passado, e dá-lhe agora nova vida com três músicas gravadas ao vivo. Entre o “Refúgio” de 2024, e o “Refúgio Relaunch” de 2025, Luiana Abrantes ganhou uma distinção no Brasil, e uma bolsa de criação artística em Portugal, sem perder o fio à meada da “Truly Afro”, a marca de roupa que veste a celebração da sua africanidade angolana. Já a trabalhar no novo disco, conversou com o Afrolink sobre a inspiração para compor, o trabalho, a maternidade, a condição feminina, e o défice de humanidade que nos tem vindo a desequilibrar. “O nosso olhar em relação ao outro tem de ser treinado. As pessoas não têm só um lado mau, também têm alguma coisa boa para dar”.

Luiana Abrantes, vestida com a sua marca, “Truly Afro”

Canta o que escreve, veste o que costura, e, de criação em fruição, Luiana Abrantes deixa-se ser. “Quando não estou a fazer música, estou a fazer peças de roupa. Quando não estou a fazer peças de roupa, estou a fazer música. E acabo por manifestar a minha essência nas duas áreas”.

Criadora da marca de moda “Truly Afro”, e autora do álbum “Refúgio” – lançado em Setembro do ano passado, e relançado agora como “Refúgio Relaunch” –, a cantautora escolhe viver segundo o próprio ritmo, desligada de reguladores externos.

“O nosso tempo aqui passa muito rápido, e eu quero aproveitar da minha maneira, não como o sistema impõe. O «Refúgio» é sobre isso. É uma chamada de atenção para o nosso interior, para o reforçarmos, e não cairmos na armadilha de que temos de estar dentro dos parâmetros em que todos os outros estão”.

Tarimbada nesse fortalecimento interno, a artista, nascida em Luanda há 38 anos, verte-o para as suas composições, que começou por apresentar, single a single, com os temas “Mudança”, “Enamorada” e “Serenidade”.

“Estou sempre a compor, porque penso muito na vida, no que aquilo que vejo me faz sentir, e isso sai muitas vezes em forma de música”.

O processo criativo começou por ganhar expressão discográfica em estúdio, e vai ter agora, na edição “Relaunch”, três temas gravados ao vivo. O primeiro – “Enamorada” – já está disponível nas plataformas digitais, e, anuncia Luiana ao Afrolink, outros dois estão a caminho: “Giramundo” e “Mudança”, este último em versão acústica, só com guitarra e voz.

“Vamos continuar a revisitar o «Refúgio» através do «Relaunch»”, revela a cantautora, que no sábado passado, 31 de Maio, subiu ao palco do This is Sessions, em Lisboa, para um sarau musical.

Novo álbum em construção, com voo para o Brasil no horizonte

A experiência deverá repetir-se durante os próximos meses, antecipa Luiana, que prepara já o segundo álbum, ao abrigo de uma bolsa de criação artística da DG Artes.

A novidade tem lançamento previsto para 2026, e promete impulsionar uma trajectória musical ainda embrionária, mas já distinguida além-fronteiras, num concurso do III Festival Universitário de Música do Gimu – Grupo de Integração Musical da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira.

O reconhecimento, por músicos e pesquisadores do campo da etnomusicologia – que se têm debruçado sobre musicalidades africanas e afro-diaspóricas –, destacou a canção “Serenidade” como uma das cinco melhores entre 39 avaliadas.

“Soube do concurso, que está associado a uma universidade, através de um amigo brasileiro, filho de pais angolanos. Candidatei-me, e quando já nem me lembrava disso, fui surpreendida com a notícia de que ganhei”.

O resultado, anunciado no final do ano passado, abre caminho a novos voos.  “Como esta já é a terceira edição, eles estão a preparar-se para organizar um festival na Bahia, e chamar todos os vencedores. Só não sei se será neste ou no próximo ano”.

Seja como for, a iniciativa assume o compromisso de “valorizar a música autoral e original”, e “estreitar as interlocuções entre Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, a partir da cena musical produzida nesses países”.

A proposta, assinala Luiana, encaixa perfeitamente na sua assinatura sonora. “O «Refúgio» tem a participação de artistas de vários países – angolanos, moçambicanos, cabo-verdianos… –, porque a minha música, no fundo, acaba por ser uma fusão da lusofonia toda”.

Combater a resignação

Apesar de não gostar de criar expectativas – “prefiro viver um dia de cada vez” –, a também designer não abdica da sua medida de sucesso: “É estar em paz, e bem comigo própria”.

O caminho, entre a música e a moda, desbrava-se em contracorrente, tanto a nível pessoal como profissional.

“Tive outros trabalhos antes de ter a minha marca, e percebi que tinha de fazer a minha vida de outra forma, porque não me identifico com o modo como o mercado funciona”.

Além dos constrangimentos de horário, robotizados num modelo “das 9 às 5”, Luiana contesta a normalização das relações desumanas.

“Falo naquela coisa de ter um patrão que fala mal contigo, que te trata mal. Acho que as pessoas começam a acreditar que faz parte. Mas não. Não é bonito, nem é saudável”, sublinha a artista, alertando para os efeitos da resignação.

“As pessoas estão a ficar doentes por causa da forma como o trabalho é exercido. Até parece que se não vives em stress e ansiedade, não estás a trabalhar. Eu, por exemplo, só porque digo que adoro estar no meu ateliê, muitas vezes pensam que tenho um hobby”.

Longe disso, a cantautora e designer lembra que o destino freelancer tem o seu preço.

“Abdiquei de um trabalho com um salário garantido. Foi uma escolha, porque prefiro estar em paz, e ganhar menos nesta fase”, aponta, sem romantizações. “Tive de criar as condições para isso, porque a vida de empreendedor não é fácil”.

Acolher o ciclo humano, em contracorrente

Também em contraciclo, Luiana avançou para a maternidade quando, à sua volta, o mundo seguia noutras direcções.

“Ouvi muitas críticas. Havia mesmo quem dissesse: ‘Não podes ser mãe, ainda não acabaste o curso’”.

Hoje com dois filhos adolescentes, a cantautora conta que vive esta etapa da vida de uma maneira muito leve.

“Se calhar é da forma como nós pensamos em África: onde come um ou dois, comem três. Eu considero que o planeamento é importantíssimo, mas o planeamento excessivo, que vejo muitas vezes aqui na Europa, faz com que tu não dês determinados passos”.

Pior do que isso, estaremos a contrariar os nossos ciclos humanos?

“Vejo amigas minhas que querem ser mães, e não são porque acham que precisam de criar as condições ideais para isso”, nota a cantautora, distanciando-se de programações de pressão externa.

“Tento sempre passar uma mensagem positiva com a música, para tentar suavizar um pouco o que vejo neste mundo, que agora gira muito à volta da sexualidade da mulher”, explica Luiana, propondo outra abordagem. “Eu não digo que isso seja mau, mas acho que está a ser exacerbado, exposto de uma maneira que para mim não tem a ver com a beleza e sensualidade feminina”.

Apologista de uma alternativa, “mais serena e de paz”, a designer explica que a ruptura com as “normas” também se observa com a marca “Truly Afro”.

“A minha intenção foi tentar normalizar, entre aspas, a questão afro. Não ter vergonha de assumir as nossas origens, e usar com orgulho os tecidos africanos, porque são a nossa identidade”.

Despir as lentes da discriminação

Para além de criações artísticas, Luiana partilha, a cada proposta, a sua expressão humana. “O nosso olhar em relação ao outro tem de ser treinado. As pessoas não têm só um lado mau, também têm alguma coisa boa para dar”.

Embora se tenha confrontado, desde cedo, com situações desumanas do pós-guerra em Angola – incluindo crianças a comerem no lixo, e soldados com os membros amputados a pedir [esmola] nos sinais de trânsito –, a cantautora garante que nunca normalizou a dor ou a violência. Pelo contrário.

“Isso talvez tenha feito com que me tornasse muito sensível ao sofrimento alheio”, reconhece a designer, apelando ao não julgamento.

“Acho que todos temos a centelha divina, de Deus. Por isso, acredito que alguma coisa acabe por espoletar a maldade no decorrer da vida, dependendo do contexto em que somos educados. Então, nós temos que entender as circunstâncias e não julgar facilmente e, às vezes, de forma tão irracional”.  

Mais do que isso, Luiana sugere que usemos mais “a nossa parte humana, o nosso olhar mais sensível e mais humano em relação aos outros”, despindo-o das lentes de discriminação.

“Uma vez li uma frase muito curta, acho que no Pinterest, de que «onde há excesso, há falta de…». Por isso, quando temos excesso de preconceito, temos falta de alguma coisa”.

Do quê, em concreto?

A resposta, defende a criativa, pede refúgio. “Aquilo que nós chamamos de mal, na verdade, para mim, é ignorância em relação ao bem. Isto prende-se muito com aquilo em que acredito: que estamos todos aqui para evoluir, mas cada um de nós está num estágio de evolução diferente. E só através da experiência conseguimos aprender esse bem”.

Ao mesmo tempo, a autora de “Refúgio” alerta para a necessidade de recuperarmos do desencontro de género em que muitas vezes nos arrastamos.

“Nós, mulheres, estamos a ser obrigadas, por causa da questão capitalista, a nos posicionarmos na sociedade como homens, para podermos competir com eles. Então, acabamos por vestir as suas características, e perder algumas das nossas.”

O regresso ou a descoberta da nossa natureza impõe-se, assim, como um resgaste da nossa força e propulsor de uma nova consciência.

“Vivemos numa sociedade muito individualista. Pensamos muito em nós próprios sempre, e esquecemos que fazemos parte de um todo”, lamenta a cantautora, sublinhando que é “apenas mais uma pessoa, no meio de tantas, e todas as pecinhas são importantes”.

Falta ligá-las e, com isso, formar colectivo, processo que pode ser sonoramente impulsionado.

“A música é uma coisa poderosa. Tem uma força e uma energia capaz de activar emoções e estados de alma”. E oferecer “Refúgio”, a partir das plataformas digitais:

Apple

Spotity

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Com quantas músicas se compõe a Paz? Juliata Cohen canta-nos

Nasceu em França, há 32 anos, com Marrocos e Tunísia no sangue, e cresceu sob a inspiração de múltiplas influências culturais, desde cedo alargadas a viagens frequentes a Israel. Já adulta, Juliata Cohen encontrou em Jerusalém um bastião de entendimentos humanos, de onde partiu para seguir um apelo de alma, pronunciado numa língua que desconhecia, mas admirava: o bambara. Encontrou o idioma nas vozes de artistas como Fatoumata Diawara, Amadou & Mariam ou Oumou Sangaré, e, por dois anos, fez dele ‘morada’, entre viagens pelo Mali e o Burkina Faso. Já com algum vocabulário em bambara, seguiu para Cabo Verde, destino de um novo impulso musical, entretanto adoptado como casa e laboratório de experiências, traduzidas em “22:22”, o seu álbum de estreia. Lançado a 22 de Janeiro, o trabalho conta com os contributos de duas referências da música cabo-verdiana – Djô da Silva e Mario Lucio –, e, por estes dias, está a ser apresentado em Portugal. Amanhã, 8, Juliata sobe ao palco do Wow, no Porto, e no sábado seguinte, 15, podemos ouvi-la na Fábrica Braço de Prata, em Lisboa. Até lá, fique a conhecer um pouco mais da sua história, que também passa pelo artesanato.

Nasceu em França, há 32 anos, com Marrocos e Tunísia no sangue, e cresceu sob a inspiração de múltiplas influências culturais, desde cedo alargadas a viagens frequentes a Israel. Já adulta, Juliata Cohen encontrou em Jerusalém um bastião de entendimentos humanos, de onde partiu para seguir um apelo de alma, pronunciado numa língua que desconhecia, mas admirava: o bambara. Encontrou o idioma nas vozes de artistas como Fatoumata Diawara, Amadou & Mariam ou Oumou Sangaré, e, por dois anos, fez dele ‘morada’, entre viagens pelo Mali e o Burkina Faso. Já com algum vocabulário em bambara, seguiu para Cabo Verde, destino de um novo impulso musical, entretanto adoptado como casa e laboratório de experiências, traduzidas em “22:22”, o seu álbum de estreia. Lançado a 22 de Janeiro, o trabalho conta com os contributos de duas referências da música cabo-verdiana – Djô da Silva e Mario Lucio –, e, por estes dias, está a ser apresentado em Portugal. Amanhã, 8, Juliata sobe ao palco do Wow, no Porto, e no sábado seguinte, 15, podemos ouvi-la na Fábrica Braço de Prata, em Lisboa. Até lá, fique a conhecer um pouco mais da sua história, que também passa pelo artesanato.

Sem conhecer uma única palavra da língua, Juliata Cohen agarrou no sentimento, e soltou a voz no crioulo de Cabo Verde, para interpretar o tema “Tan Kalakatan”.

“Estava apaixonada pela música”, conta ao Afrolink, revisitando o primeiro contacto com Carlos Alberto Sousa Mendes, mais conhecido por Princezito.

Na altura ainda a viver em Israel, a artista conta que para além de ser ter entusiasmado a gravar a canção que o cabo-verdiano compôs para Mayra Andrade, decidiu partilhar com ele o resultado.

“Procurei o contacto no Facebook, e escrevi a dizer: sou fã do seu trabalho, aqui está uma versão da sua música”.

A mensagem abriu espaço a uma conversa, e, de repente, o arquipélago africano ficou mais perto.

“Ligou-me porque estava espantado que conseguisse cantar em crioulo. Ficou super surpreendido, e acabámos a falar ao telefone 30 minutos, em francês e inglês, tudo misturado. Quando disse que tinha o sonho de ir para Cabo Verde, respondeu logo que seria bem-vinda”.

Hoje Juliata vive na cidade da Praia, fala crioulo, e tem no seu álbum de estreia uma forte identidade cabo-verdiana.

Hora como herança

Intitulado “22:22”, o disco foi produzido pelo renomado Mario Lucio, e com o selo de qualidade da editora Harmonia/LusAfrica, de Djô da Silva, mundialmente reconhecido pela ligação a Cesária Évora.

“22:22 é uma ‘hora-espelho’, uma boa hora para rezar, e também um bom momento de alinhamento, de sincronicidade”.

O significado, explica a cantautora, reflecte parte da sua herança familiar. “Trago isso da minha avó materna, e utilizo essa hora quando quero mandar uma reza para o céu ou desejar uma coisa, até para outra pessoa. Sempre foi um momento de conexão, uma coisa forte”.

A dimensão espiritual, presente no título “22:22”, estende-se aos oito temas que integram o álbum, criado, tal como Juliata, sob uma miscelânea de influências.

Nascida em França, há 32 anos, a artista é filha de mãe marroquina e pai tunisino, e cresceu entre Paris e Israel.

“Fui pela primeira vez aos 8 anos, para um casamento, e depois passei a ir todos os anos para festas tradicionais. Às vezes ficava duas semanas, outras dois meses no Verão”.

O destino, que durante a infância e adolescência permitia o encontro com a família do lado paterno, tornou-se residência, já em idade adulta, durante cerca de dois anos e meio.

“Já estava acostumada aos meus familiares, mas nunca tinha vivido no Médio Oriente. Aí tive a sorte de descobrir um lado que talvez poucos conhecem, porque estava no meio de um lugar de multiculturalidade, com pessoas de todas as religiões, com tolerância, aceitação e paz”.

Dessa temporada, de descoberta de Jerusalém, Juliata guarda as melhores lembranças.

“É um lugar muito sagrado, que tem uma energia única no mundo, e é muito raro ouvir falar sobre isso. Ouvimos falar muito mais sobre a guerra sem fim, que continua até hoje, mas é importante pôr luz nesse outro lado que também faz parte da vida lá”.

Música de Paz

Determinada em contribuir para essa ‘iluminação’ de perspectivas – para que o mundo não veja apenas a separação das pessoas e os problemas –, a cantora usa a arte para quebrar fronteiras, aplicando mais uma dimensão do legado familiar.

“Tenho esta vontade de misturar línguas, por isso às vezes canto em árabe e hebraico ao mesmo tempo”, assinala, sublinhando o poder desse cruzamento: “É um símbolo de Paz, uma forma de conservar a minha herança judaica e árabe”.

Além da inspiração das próprias raízes, desde cedo Juliata se sentiu fascina por outras maneiras de pensar, e por outras culturas. O interesse, revela, foi sendo musicalmente alimentado a partir da colecção de discos de um tio DJ.

“Ele tinha o hábito de escutar música africana, de Angola, Cabo Verde, Marrocos, Etiópia, e também do Brasil. Tinha 10 anos quando ele me dizia: ‘Não, não, não vais ouvir Britney Spears. Vem cá, e ouve Stevie Wonders, Ray Charles…”.

O exemplo fez escola, e reforçou a veia artística da cantora, desde cedo encaminhada pela família para a música, o teatro e a dança.

“Estamos habituados a adaptar e a misturar. Foi sempre parte da minha educação respeitar todo o mundo com sua cultura, religião, forma de viver. Acho que por isso sempre tive uma grande vontade de viajar, de ir ainda para mais longe do que as viagens que a minha família, de alguma forma, me foi proporcionando”.

Encontros de línguas

Um dos impulsos para percorrer mundo continua a ser a música, mesmo que cantada em idiomas desconhecidos.

“Eu tinha uma conexão muito grande com a língua bambara, falada nuns oito países da Costa de África, então sempre quis aprender”.

O fascínio, que foi crescendo a partir das vozes de artistas como Fatoumata Diawara, Amadou & Mariam ou Oumou Sangaré acabou por fixá-la durante dois anos na rota Mali-Burkina Faso.

“No Burkina, no início, o primeiro contacto que tinha era de um baixista, muito profissional. Todo o mundo estava a recomendar esta conexão. Depois começámos um projecto e, com tempo, paciência e experiência conheci outros artistas”.

Sempre na espontaneidade de cada encontro, e com abertura para novas ligações, o mapa de Juliata estendeu-se a Cabo Verde, destino cumprido já com algum vocabulário em bambara na bagagem, e o contacto de Princezito nas ligações.

“A minha música é um encontro de países, línguas e culturas”, diz em português, um dos cinco idiomas que fala, embora consiga cantar em sete. Mais do que “falar certinho”, a autora de “22:22” preocupa-se em comunicar.

Com o mesmo engenho criativo, a artista produz colares, brincos e pulseiras, que vende pelas ruas de Cabo Verde, também como expressão da sua ‘missão’ conciliadora.

“Faz parte de mim. Tanto para o processo de criar uma jóia, como para o processo de criar uma música, gosto de misturar influências, por exemplo juntar uma pedra de Marrocos, com um búzio de Cabo Verde, e com isso ter uma história que junta culturas e países. É o mesmo que faço com a música. É um ponto de encontro, um ponto de unir as culturas, as línguas, os povos, as histórias”.

 A proposta sobe ao palco do Wow, quarteirão cultural no Porto, amanhã, 8, às 22h30, enquanto no sábado seguinte, 15, podemos ouvi-la na Fábrica Braço de Prata, em Lisboa, às 23h30.

Depois, a agenda de divulgação de “22:22”, que apresenta como uma proposta afro-árabe soul, passa por Cabo Verde e França. Mais para a frente, ainda sem calendarização, a artista planeia uma imersão nos ritmos brasileiros.

Mas, vá para onde for, pode sempre acompanhá-la e ouvi-la nas plataformas digitais.

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